Monday, May 09, 2011

O Guardador de Rebanhos:Fernando Pessoa


XXI
Se eu pudesse trincar a terra toda
E sentir-lhe um paladar,
Seria mais feliz um momento…
Mas eu nem sempre quero ser feliz.
É preciso ser de vez em quando infeliz
Para se poder ser natural…
Nem tudo é dias de sol,
E a chuva, quando falta muito, pede-se.
Por isso tomo a infelicidade com a felicidade
Naturalmente, como quem não estranha
Que haja montanhas e planícies
E que haja rochedos e erva…
O que é preciso é ser-se natural e calmo
Na felicidade ou na infelicidade,
Sentir como quem olha,
Pensar como quem anda,
E quando se vai morrer, lembrar-se de que o dia morre,
E que o poente é belo e é bela a noite que fica…
Assim é e assim seja…

Sunday, May 01, 2011

final de Abril

A água desce, seu corpo espandindo-se, grudando e soltando do leito do rio.
A água que desce rio abaixo em direção do mar, sempre tendo que ir, sempre querendo ficar. Sempre obrigada a ir porque pode ir a qualquer lugar.

looking glass, looking glass on the wall...
Olho bem dentro dos olhos da imagem refletida na água, os olhos do lobo faíscam lá dentro. Eu falo palavras sem nexo, e o rosnado baixo escapa por alguns trechos da fala. O lobo é predador de si mesmo. Ele escorre por mim como as águas do rio que corre.
Me pergunto se devo me livrar dele, afinal tenho o lobo em mãos.
Mas me nego.
Eu amo a fera, e a abraço, pois meus olhos também são os olhos dela.