Friday, August 14, 2009

Memória

Eu ouço meus paços ecoando na casa vazia.
Meus paços cansados das manhãs sempre arrastadas, sempre difíceis, naquele limite tênue entre esse mundo e o sonho.
No som dos meus paços moram os paços da minha avó em seus últimos anos, como eu em minhas manhãs, perdida entre esse mundo e o outro.
Ela vive nas pequenas coisas, na ancestralidade inerente, existente nas sutilezas, nos olhos baixos, no queixo curto, nos pequenos rancores, no arrastar dos pés.
Acho que minha avó arrastava os pés cansada do que pode ser e não foi (ela ou eu ?), e do trabalho interminável do amor dedicado aos 18 filhos e a inúmeros netos, bisnetos, orações... Eram os paços lentos esquecidos aos poucos na despedida, na visita incrédula dos antepassados no quintal, no portão, na mesa de jantar, no abraço vazio na madrinha morta a mais de 30 anos atrás... A realidade que ia levava o tempo e as preocupações, presentes apenas no arrastar dos paços.
Veio o sorriso fácil e a vida simples que se resumia a um único dia. Foi-se o relógio, os problemas dos filhos as penitências desnecessárias aos santos devotos. Chagaram as visitas diárias das filhas e dos netos, as tardes de dominó, os abraços finalmente sinceros.
Será que esse foi seu paraíso, o paraíso pelo qual rezou a vida inteira?
Rezava com uma credulidade asustadora, segurava os pés da santa como se tivesse o poder de conjurar sua presença, de animar a imagem a andar. E me disse uma vez que a via, de gesso ou não parada diante dela nas orações.

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